sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Dureza Africana II: Simba

7H50: já no carro para ir para o trabalho, normalmente vou a pé mas desta vez estava a acompanhar a Janny, a minha nova roomate que acabou de chegar, quando o Simba – guarda de dia – aparece à minha frente em roupas de civil com cara de preocupado. Ele tem estado doente e com a Robyn, ex roomate, até tinhamos falado com o nosso responsável da segurança para exigir à companhia KK Security de o deixar meter baixa – a consequência da nossa preocupação foi um castigo para ele – deixou de ser pago durante uns dias - por nos ter falado dos problemas dele e se ter queixado.

Há já mais de uma semana que não via o Simba então pensei que finalmente lhe tinham dado baixa e ele estava em casa a recuperar. Mas não, aí estava ele ainda mais magro, com mais pústulas pelo corpo e já sem conseguir falar. Consegue balbuciar que já fez muitos testes: malária, tifoide, dengue e que ninguém sabe o que ele tem. Pede me $20 para poder fazer mais testes, talvez até vá ao médico tradicional. Apanhou-me tão de surpresa, tão de manhã e tão com pressa, que só pude pensar em ver se tinha dinheiro e como não tinha troco, em pedir à Janny. Ela tinha $50, dei-lhe isso – a cara dele iluminou-se - e eu entrei no carro e lá disparamos pelo portão. Quando voltei a mim, a Janny que não fala perfeitamente francês, perguntou-me do que é que se tratava. Contei-lhe e a resposta dela foi imediata: “pode ser SIDA, perguntaste-lhe?” É delicado insinuar a alguém que tem SIDA – e cá é visto como um grande insulto, mas sinceramente se isso me tivesse passado pela cabeça, teria passado mais tempo com ele para tentar chegar ao fundo do assunto e ver que testes é que lhe faltam ainda fazer. Mas não, não foi isso que eu fiz. Nem pensei em que poderia ser SIDA, nem lhe dediquei mais do que dois minutos do meu tempo. De repente, com o carro a abanar pelas estradas de Bukavu, senti-me culpada. Culpada de ter tido a reacção da branca típica: “toma lá dinheiro e não me chateies com os teus problemas.”

De volta a casa à hora do almoço vou falar com Justin, o cozinheiro, para lhe perguntar se ele consegue entrar em contacto com o Simba – cá as pessoas conhecem-se sempre – e ele diz me que sim, que conhêce-o a ele e à família bastante bem, são quase vizinhos e que também está preocupado com o seu estado de saúde. Explico-lhe com cuidado o nosso encontro da manhã, mas na verdade devido às diferençãs culturais, nem sabia como lhe introduzir a idea de que poderia ser SIDA. Não foi preciso – bastou-me insunar “que poderia ser outra coisa, mais grave” que o Justin respondeu logo que ele também pensou se não seria SIDA. Até tinha comentado isso com o Simba há umas semanas atrás, mas a reacção dele foi a típica reacção de um homem africano: como poderia ele ter apanhado isso? Afinal ele era casado!

Falamos soubre a gravidade da doença, sobre a dificuldade de identificar os sintomas, e ele prometeu-me que iria ver o Simba durante o fim de semana. Fiquei resignada mas um pouco mais descansada.. No fim da conversa, o Justin agradece e comenta que eu, depois de tão pouco tempo, já tenho a fama de ser a mãe de todos, e que a “mama Vera” é diferente dos outros Mzungos (brancos), que toda a gente gosta de mim. Senti-me um pouco desconfortável com esta inundação de elogios, ainda por mais porque sentia que não eram merecidos. Como é que me podem estar a agradecer por ser humana?
Depois percebi: ele também tinha algo para me pedir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário