sábado, 4 de setembro de 2010

Adversidade


É engraçado de ver como o mundo exterior, a adversidade nos testa. No meu caso tento sempre, quero sempre: mudar, ir para outros lugares, conhecer, experimentar. Porquê? Talvez com a esperança que a adversidade me mostra algo de mim que eu ainda não vi, me ajude a conhecer-me melhor. O que talvez eu não esteja a ver é – como um dia li no título de um livro de meditação que comprei – “wherever you go, there you are.” É tão simples como isso: estamos sempre connosco, não importa as circunstâncias. Se há algo de que não nos podemos ver livres é de nós mesmos.

No entanto, por querer descobrir-me - pondo-me em situações anormais -  talvez esteja a falsificar o resultado, a pôr demasiado “ruído” como se diz em estatística. Ou seja, eu parto sempre do princípio que eu sou eu, que não mudo, e que se me meter noutro contexto posso testar os efeitos desse contexto em mim. O que eu raramento vejo ou entendo realmente é que eu também mudo com e nesse contexto, o que torna difícil ver o impacto do contexto unicamente. Aparecem outras caracterísitcas de mim imprevistas, novas.

Vir para Africa e trabalhar cá sempre foi um sonho. Agora ver que mesmo para mim – que sempre quis viver isto – às vezes é difícil caminhar pela rua, porque sei que vou ser solicitada por não sei quantas pessoas diferentes, às vezes simplesmente para dizer “Jambo” (olá), outras para pedir trabalho, e outras ainda só para poder dizer “Mzungu” (branco) na minha cara, e que eu na verdade preferiria continuar tranquila o meu caminho ouvindo a música do meu iPod, é difícil de encarar. Porque é que às vezes me é tão difícil esta interacção simples e sem más intenções? Porque sinto a diferença. Porque sinto que sou diferente. Porque sinto que eles sempre me verão como diferente. Isto é bastante difícil de engulir quando um acredita como eu que fundamentalmente somos todos feitos do mesmo material – o que muda é a nossa exposição ao mundo, fortemente condicionada por onde nascemos, quer seja a família quer seja o país. Precisamente por eu acreditar que a diferença provém de uma aleatorieade por vezes injusta, custa-me tanto ser vista como fundamentalmente e para sempre diferente. Mzungu.

Isto faz me pensar: o que é que me traz cá realmente? O que é que me faz privar-me de todas as pessas que me são queridas? De todas as pessoas que contribuem à minha história pessoal e à minha estabilidade emocional, todas essas pessoas “que contam” e que podem contar a minha história, ou partes dela? Por mais que cá eu esteja a viver em universos contradictórios, entre a miséria do trabalho humanitário e os privilegios materiais do mundo dos expatriados, Africa tem uma energia particular. Mas isso não atenua o facto que ainda me choca como é que pessoas tão humanas podem ao mesmo tempo ser tão cruéis. O Congo é concomitantemente o país onde as pessoas são extramente bem educadas e tem uma música cheia de sentimento, ritmo e humanidade e ao mesmo tempo onde mulheres são violadas todos os dias, onde lhes enfiam pedaços de madeira pela vagina acima e as deixam coxas para toda a vida, vá se lá saber porquê. Para demonstrar poder, humilhando o marido a família e subjugando a família, para satisfazer um desejo sexual ou simplesmente para poder pilhar à vontade sem resistência usando uma arma de dissuasão humana e vulnerável?

Desde os meus dias em Nova Iorque que tenho estado em contacto com o contexto congoês a través de aulas, conferências e leituras e um dos tópicos “sexys” das relações internacionais, em particular em contextos pos-conflicto, é a violência baseada contra as mulheres ou “gender based violence” (GBV).

Laboratório humano: a que ponto o contexto faz de nós o que nos somos? Até que ponto a história recente do Congo com a pilhagem, primeiro pelo Rei Leopoldo II que transformou o Estado Independente do Congo na sua colónia privda, e depois por Mobuto não condicionou o Congo de hoje a ser o que é? Errado aplicar a psico-analítica à escala de um país? 


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